Uma tecnologia desenvolvida por
pesquisadores da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (Poli-USP)
pode auxiliar a indústria cimenteira a atingir dois objetivos: dobrar a
produção de cimento para atender a demanda mundial e diminuir a pegada de carbono,
uma vez que o setor é um dos que mais emitem dióxido de carbono (CO2) na
atmosfera.
Os pesquisadores criaram uma formulação que substitui grande
parte do material responsável pela emissão de CO2 na fabricação do produto,
diminuindo a concentração de material reativo produzido a altas temperaturas na
composição de cimentos e, consequentemente, na de concretos e argamassas de
revestimento, mantendo a resistência dos materiais.
A tecnologia foi testada em laboratório e despertou o
interesse de empresas, que analisam a viabilidade do uso em escala na
fabricação do material - o segundo mais produzido e consumido no mundo, atrás
apenas dos alimentos.
"Em alguns experimentos em laboratório conseguimos
reduzir em mais de 70% a quantidade de ligante [fração do cimento com
capacidade de reagir com água] em concretos de alta resistência com um produto
feito com a formulação", disse Vanderley Moacyr John, professor do
Departamento de Engenharia de Construção Civil da Escola Politécnica da USP e
um dos coordenadores do projeto. "Recentemente, conseguimos adaptar a
formulação para concretos de mais baixa resistência com metade do ligante usado
em um produto convencional."
De acordo com o pesquisador, que conduziu um projeto com
apoio da FAPESP, o cimento tradicional - chamado Portland - é composto
basicamente por argila e calcário - materiais extraídos de jazidas,
posteriormente moídos e que, quando fundidos em fornos a 1,5 mil graus Celsius,
se transformam em pequenas bolotas de clínquer. Esses grãos de clínquer são
misturados e moídos com gipsita - a matéria-prima do gesso - até virarem
cimento.
Para produzir uma tonelada de clínquer, no entanto, a
indústria cimenteira emite entre 800 e mil quilos de dióxido de carbono,
incluindo aí o CO2 gerado pela decomposição do calcário e pela queima do
combustível fóssil para manter os fornos em funcionamento.
A fim de diminuir as emissões de CO2 na produção de clínquer,
nas últimas décadas as indústrias cimenteiras começaram a substituir parte do
material por escória de alto-forno - um resíduo da siderurgia - e, mais
recentemente, por cinza volante - resíduo de termelétricas a carvão.
O problema dessas duas soluções, contudo, é que a indústria
do aço - também altamente emissora de CO2 - e a geração de cinza volante não
crescem na mesma velocidade das cimenteiras, inviabilizando as estratégias no
longo prazo. "As estratégias utilizadas hoje para mitigar as emissões de
CO2 pela indústria cimenteira são insuficientes", avaliou John.
"Como a escala de produção de cimento é de 3,5 bilhões
de toneladas por ano e estimam-se que a produção global desse material chegará
a 5,5 bilhões anuais até 2050, as indústrias cimenteiras poderão ser
responsáveis por até 30% do total das emissões mundiais de CO2, superando
muitos países isoladamente", disse.
Pó de calcário
Segundo o professor da Poli-USP, por causa dessas limitações,
a indústria cimenteira também usa desde a década de 1970 outro material
candidato a substituir parcialmente o clínquer na formulação de cimento: o
filler de calcário cru (pó de calcário).
O filler é uma matéria-prima que dispensa tratamento térmico
(calcinação) - processo que, na fabricação de cimento, é responsável por mais
de 80% do consumo energético e 90% das emissões de CO2.
A quantidade de filler na fórmula do cimento, contudo, era
limitada a, no máximo, 10% no Brasil e em até 30%, em algumas situações, na Europa.
Isso porque o calcário é moído junto com o cimento e, como não há controle do
tamanho das partículas do material, seu limite de adição é baixo.
Por meio de tecnologias de controle de granulometria de
partículas, já usadas em indústrias como a alimentícia e farmacêutica, os
pesquisadores da Poli demonstraram em laboratório que combinando granulometrias
de pó de calcário é possível aumentar para 70% a proporção do material e
diminuir para 30% a quantidade de clínquer na composição do cimento.
"Atualmente, o teor de filler no cimento comercializado
no mundo é de 6% e, no Brasil chega, no máximo, a 10%. Já na Europa, em algumas
situações, uma tonelada de cimento tem 700 quilos de clínquer e 300 quilos de
filler [incluindo outros tipos de filler, além do de calcário cru]",
comparou Bruno Damineli, um dos autores da pesquisa e que realiza pós-doutorado
na Poli no âmbito do projeto.
"Demonstramos que é possível inverter essa composição e
produzir uma tonelada de cimento com 300 quilos de clínquer e 700 quilos de pó
de calcário", disse.
Além de um padrão controlado do tamanho de grãos, segundo o
pesquisador, as partículas de filler de pó de calcário e clínquer precisam
receber aditivos químicos dispersantes, como policarboxilatos, que impedem que
elas se aglomerem e formem grumos na água.
Como consequência disso, o dispersante reduz a quantidade de
água e de cimento necessário para misturar à areia e pedra para produzir e
desempenhar o papel de "cola" no concreto usado na indústria da
construção civil.
"Os cimentos menos eficientes de modo geral apresentam
grumos. Por causa disso são menos reativos e eficientes e requerem uma
quantidade muito maior de água para fluir, porque são mais porosos",
explicou Rafael Pileggi, professor da Poli e um dos autores do projeto.
"Como o cimento com mais filler moído precisa de pouca
água para fluir, é possível fazer um concreto pouco poroso e mais resistente do
que o convencional", disse Pileggi.
Os pesquisadores também obtiveram resultados semelhantes com
outros produtos à base de cimento. Por meio do projeto realizado atualmente com
apoio da FAPESP, o grupo de pesquisadores da Poli observou que também se pode
reduzir o teor de cimento em argamassa de revestimento (reboco), mantendo a
resistência de aderência do material.
"Constatamos que é possível reduzir a quantidade de
cimento de argamassa pelo cimento com maior teor de filler moído e que a
resistência do material não cai. Estamos demonstrando que a resistência não
depende do cimento", disse John.
Viabilidade técnica
A nova formulação de filler com granulometria controlada,
combinada com o uso de dispersantes, abre a janela para produção de cimento com
até 70% do material em sua composição, sem perder e até mesmo aumentar a
confiabilidade do produto. Dessa forma, a tecnologia permitiria à indústria
dobrar a produção de cimento, sem a necessidade de construir mais fornos ou
produzir mais clínquer.
O grande desafio, no entanto, é viabilizar a tecnologia na
escala da indústria cimenteira e de forma competitiva. "A tecnologia para moer
partículas com granulometria controlada já existe, mas nunca ninguém a operou
na escala da indústria cimenteira", afirmou John.
"Será preciso produzir entre 2 e 3 bilhões de toneladas
de filler com partículas com tamanho controlado e mais finas do que
talco", comparou.
Segundo os pesquisadores, vários materiais podem ser usados
para produzir filler. O pó de calcário, no entanto, atualmente é o melhor
candidato para substituir parcialmente o clínquer na formulação de cimento
porque oferece menores riscos à saúde do que outros fillers biopersistentes.
Há outros grupos tentando utilizar quartzo finamente moído
para essa finalidade. Entretanto, se usado de forma descontrolada, o material
pode ser aspirado e causar silicose.
"Não é qualquer material finamente moído que pode ser
utilizado para esse fim. É preciso levar em conta questões como a segurança do
trabalhador da indústria da construção", disse Damineli.
A tecnologia desenvolvida pelos pesquisadores da USP
despertou o interesse de empresas como a InterCement, a holding para negócios
de cimento do grupo Camargo Corrêa. A empresa financia a reforma de um prédio
no Departamento de Construção Civil da Poli para sediar um centro de pesquisa
em construção sustentável. Coordenado pelos professores John e Pileggi, o
centro de pesquisa deverá iniciar suas atividades ainda este ano e, entre
outras atividades, deverá avançar no desenvolvimento do cimento ecoeficiente.
Fonte: Info Imóveis
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