terça-feira, 19 de novembro de 2013

Opinião: Os altos e baixos de usar as escadas

Quando criança, eu vivia em uma casa estreita e com cinco andares. Passei metade da minha infância correndo escada acima e escada abaixo, e subir escadas é algo a que me dedico desde então.
O único lugar em que nunca uso as escadas --a não ser que precise apenas subir ou descer um andar-- é o escritório. Você poderia dizer que isso acontece porque estou ocupada demais subindo a escada virtual de uma carreira para que me sobrem forças para galgar degraus de verdade, mas na verdade é porque passar horas sentada diante de uma tela abala meu desejo de despender qualquer energia.
No entanto, duas semanas atrás, encorajada por um amigo, comecei a descer e subir os 80 degraus que me separam do refeitório do escritório, fazendo o percurso diversas vezes ao dia em busca de cafés, chocolate e coca-cola "diet".
E isso me traz diversas recompensas. Primeiro, em geral é mais rápido: 55 segundos, ante os 70 que o percurso custa no elevador, presumindo uma parada em dois andares no caminho. Segundo, você fica com aquela agradável sensação de superioridade moral. Terceiro, é uma forma menos desgastante de encontrar colegas ao acaso.
No elevador, você se vê forçado a um diálogo desconfortável, enquanto nas escadas só sorri e segue adiante. O mais importante de tudo é que a caminhada o tira de seu torpor.
Eis, enfim, algo que faz bem mas sem nenhum dos inconvenientes da maioria das coisas saudáveis: o sabor não é ruim, você não precisa de roupas especiais, e não se trata de algo desconfortável, caro ou chato, ou que requeira qualquer capacidade ou coragem especial.
Mas apesar dessas impressionantes vantagens, as escadas dos escritórios em geral estão desocupadas. São usadas mais como esconderijos, o equivalente corporativo àquele cantinho secreto do pátio da escola, onde você pode ligar para o banco, gritar com o empreiteiro ou trocar fofocas altamente sigilosas sobre a empresa.
Na semana passada, o governo britânico lançou uma iniciativa para convencer todo mundo a usar as escadas. O site da campanha exibe cartazes que podem ser baixados e informam o pessoal das calorias que estaria queimando ao evitar o elevador, e oferece um aplicativo para celulares que transforma o uso das escadas em uma espécie de jogo de computador.
Mesmo depois de minha conversão evangélica ao uso das escadas do escritório, a campanha não me convence muito. Para começar, o nome --StepJockey-- não funciona. Um jóquei é uma pessoa que cavalga, enquanto o ponto de usar as escadas é andar com as próprias pernas. E ela usa truques demais para algo tão simples quanto ir de um andar a outro da forma que, tenho certeza, Deus pretendia.
Pior, o ponto sobre as calorias queimadas no percurso nada tem de convincente. Subo quatro andares até o refeitório (15 calorias queimadas) a fim de comprar um "latte" (200 calorias) e um chocolate Maltesers (180 calorias). Os números são tão deprimentes que o melhor é nem pensar neles. E quanto a um aplicato que torne o uso das escadas um jogo -- não consigo imaginar como uma coisa dessas poderia se tornar sucesso. (Ainda que meu histórico em relação a isso esteja longe de perfeito: quando vi uma mensagem de texto pela primeira vez, imaginei que aquilo nunca pegaria.)
BABÁS
O mais importante é que não está claro que as empresas deveriam dizer aos funcionários como ir de um andar ao outro. Não aprovo que o departamento de recursos humanos se torne minha babá, ainda que isso seja basicamente porque não confio em que faça bem o serviço. Se eu imaginasse que o departamento seria tão bom quanto Mary Poppins (cuja solução para o problema da escada seria deslizar pelo corrimão), eu me entregaria alegremente aos seus cuidados. Mas porque não acredito nisso, prefiro cuidar de mim mesma.
Mas na semana passada decidi servir de babá aos meus colegas e baixei os cartazes da campanha e os colei ao lado de cada elevador. Fiquei observando discretamente enquanto dois rapazes liam o cartaz -- que informava que sete vezes mais calorias eram queimadas usando o elevador que as escadas. Um deles começou a argumentar que o número era baixo-- e continuou a objetar depois que as portas do elevador se fecharam por trás dele.
De tarde, porém, imaginei que o movimento nas escadas aumentaria. Dois homens estavam subindo juntos, um deles galgando dois degraus a cada passo e falando sem parar. Ficava evidente que há jogos de poder reais a disputar na escadaria-- além dos eletrônicos.
Infelizmente, pelo final do dia, uma babá maior que eu havia decidido que ela sabia melhor e removeu os cartazes. O que talvez nem importe, porque eles eram bem bobinhos, mesmo. Se as companhias realmente querem que as pessoas comecem a usar as escadas, precisam ser mais que babás - talvez desativar metade dos elevadores, forçando as pessoas capazes de andar a fazê-lo.
O único ajuste que teriam de fazer seria fornecer um novo esconderijo para que as pessoas fofoquem - e quase qualquer lugar seria melhor: uma escadaria serve como auditório natural, e por isso as grandes fofocas e tiradas raivosas contra o encanador podem ser ouvidas a diversos andares de distância.

Fonte: Folha de S. Paulo

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